Um romantismo torto, do tipo que glorifica a falsificação, o “roubado é mais gostoso”, inventado para separar o futebol das inovações tecnológicas que funcionam em outros esportes. Desde a introdução do VAR, sigla em inglês para árbitro assistente de vídeo, em 2010, na Holanda, estreando na Copa do Mundo de 2018, e ainda hoje, claro, a ferramenta virou motivo de polêmica — e o que é claramente um instrumento de honestidade, da difícil busca pelo erro zero, tornou-se um problema. Não deveria ser assim. No dia 6 de junho, o VAR passará por seu primeiro julgamento severo. A Premier League inglesa votará, em sua assembleia geral, pela manutenção ou não do recurso. Serão necessários pelo menos 14 dos 20 votos dos clubes para levar a invenção ao cadafalso. A ideia partiu do Wolverhampton, clube de médio porte que pedia a abolição imediata da quadra eletrônica.
Nas explicações dos cartolas do Wolverhampton, esta não é uma condenação definitiva, mas sim um freio à arrumação. “Não há culpa a ser atribuída – estamos todos apenas procurando o melhor resultado possível para o futebol – e todas as partes interessadas têm trabalhado arduamente para tentar fazer com que a introdução de tecnologia adicional seja um sucesso”, afirmaram os dirigentes. Lobos através de uma declaração pública. “No entanto, depois de cinco temporadas de VAR na Premier League, é hora de um debate construtivo e crítico sobre o seu futuro.” Há muita razão no raciocínio. A interpretação digital de movimentos duvidosos ganhou destaque exagerado. Além disso, os efeitos colaterais são óbvios e ruins: atrasos nas decisões, perturbação do ritmo de jogo e frustração dos torcedores dos dois lados —os supostamente prejudicados e os favorecidos, e a briga não para de jeito nenhum.
Atenta, de olho no momento barulhento, a FIFA trabalha para estender os ganhos do VAR a outras competições, sem alterar o que já está estabelecido nos torneios oficiais. É uma forma de mostrar que o futuro pode ser promissor e que seria um exagero estragar tudo. No congresso da entidade, realizado em meados de maio, na Tailândia, Pierluigi Collina, chefe do comitê de arbitragem, apresentou os resultados de um teste realizado em torneios sub-20 na Suíça. O sistema mais econômico é semelhante ao utilizado no tênis, o “olho de águia”. Utilizando este método, cada equipe poderá solicitar até dois desafios durante a partida caso haja dúvida quanto à decisão do árbitro. “Em algumas ligas não há recursos para utilizar esse tipo de tecnologia e em outras não há mão de obra suficiente”, disse Collina no congresso. “É por isso que testamos essas alternativas e os resultados têm sido satisfatórios.” Ou seja: seria uma versão reduzida do VAR.
Saindo da infância, hoje a tecnologia pode ser submetida a análises mais detalhadas, ficando a pergunta que permanece sem resposta: vale a pena? Reiteremos o óbvio: é sempre melhor ter algum tipo de ajuda que dê a mão ao árbitro em campo. Em 2019, no Brasileirão da Série A, houve 182 alterações nas decisões de apito após a chamada do VAR. Em 2023, caiu um pouco, para 144 reversões. Esta é uma indicação clara da utilidade da avaliação por vídeo, naquela sala apertada. Mas o grito permanecerá até que o sistema seja aperfeiçoado. “De (para melhorar o VAR) se ele tiver menos participação, se for mais rápido, se valorizarem a atitude do árbitro e ele apitar com personalidade”, disse o ex-juiz Arnaldo Cezar Coelho em entrevista ao podcast de Galvão Bueno. Cezar Coelho, aliás, que arbitrou a final da Copa do Mundo de 1982 na Espanha, ironicamente se apresenta, na rede X de Elon Musk, como um “ex-comentarista de arbitragem antes do VAR”.
O mundo antes do VAR, repito, era pior para o futebol. Mantê-lo, pois o equilíbrio, em nome da verdade, é fundamental. Até Diego Armando Maradona foi a favor. Em 2018, ao comentar o famigerado gol com a “mão de Deus”, ele foi direto ao assunto. “Se a tecnologia existisse na Copa do Mundo de 1986, eu seria preso”, disse ele em um vídeo. Os necessários saltos eletrônicos, sinônimos de conhecimento e de ciência, ao contrário do que muitos pensam, abrem terreno para a justiça dos homens diante da suposta mão divina. O VAR deve se manter vivo — mas precisa melhorar muito.
Publicado em VEJA em 31 de maio de 2024, edição nº. 2895
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