Aos 3 meses de idade, como todo bebê de pais zelosos, recebi a vacina BCG no braço direito – para prevenir formas graves de tuberculose. Houve um erro médico, o aplicativo estava errado. Meu braço teve uma trombose, ficou completamente preto, foi o que meus pais falaram, e teve que ser amputado imediatamente. O médico desapareceu. Há alguns anos, decidi processar o hospital e ganhei o caso. Mas não ter um membro é a vida que conheci – e não tenho nada do que me arrepender, foi assim que cresci, é quem eu sou. Sempre fui muito agitado e não conseguia ficar parado, nunca parei para pensar na minha deficiência, acho que nem os outros notaram. Patinei, joguei futebol, andei pelas ruas de Criciúma, com amigos. Só cheguei em casa à noite. Aos 7 anos, como meu irmão já jogava tênis de mesa, comecei também a jogar com raquete e bola. Logo percebi que gostava, e quem assistiu viu que eu era bom nisso, só era bom com a esquerda.
Participei de torneios, ganhei velocidade e técnica, estava muito bem, mas parecia um entre muitos. Às vezes ganhei, às vezes perdi. Até que, aos 13 anos, fui convidado para treinar com atletas paraolímpicos. Aí dei um verdadeiro salto, me destaquei, fui reconhecido e respeitado. Tenho 29 anos, já conquistei três medalhas de bronze e uma de prata nos Jogos Paralímpicos do Rio de Janeiro e de Tóquio. No início do ano, depois de resultados muito bons em campeonatos internacionais, inclusive na Copa do Mundo, fui convocado para as Olimpíadas de Paris. Não acreditei e vou falar a verdade: quando entrei na academia, para o torneio por equipes, chorei um pouco. Fiquei realmente emocionado. O que você quer dizer com uma Olimpíada? E sei que estou fazendo um pouco de história, ao competir nas duas competições, uma após a outra.
As pessoas agora querem saber: qual a diferença entre as partidas de um torneio e de outro? Bom, antes de explicar, preciso te dizer que sair da Vila dos Atletas em Saint-Denis para passar um tempo em um hotel e depois fazer a aclimatação paraolímpica em Troyes, cidade a 150 quilômetros de Paris, é bom, estou não vou mentir. Aquela cama de papelão é muito dura, desconfortável. Meu corpo já estava dolorido. Mas o que posso dizer sobre as diferenças? Nas Olimpíadas é mais complicado. Há mais competição, mais estilos, tudo é mais agressivo, mais físico. Você tem que atacar o tempo todo. Mas, sem braço, totalmente amputado, tenho certa dificuldade de equilíbrio. Isso faz uma enorme diferença. Nas Paraolimpíadas, como os adversários também têm um pouco de problema de equilíbrio, como eu, há mais possibilidade de controlar o jogo — há tempo para pensar. Na verdade, é mais lento e cuidadoso.
Enfim, quando me vejo aqui em Paris, e no final de agosto estarei de volta, mesa-tenista olímpico e paralímpico ao mesmo tempo, deito a cabeça no travesseiro e penso: sonhar é tudo, isso é como alcançamos as coisas. Fiquei muito tempo longe da família, moro sozinha em São Paulo — e me dou bem, só não cozinho porque não sei cozinhar, então compro pronto ou como fora . Foi uma série de sacrifícios. Mas eu cheguei lá. Ter podido estar ao lado da Simone Biles e da Rebeca na Vila, que privilégio… Mas, olha, não estou pensando só no tênis de mesa, mas em todas as pessoas com deficiência do Brasil. Estou muito feliz em representá-los e mostrar que tudo é possível. E essa conquista também não é só minha, mas de todos que trabalham comigo, como treinadores, pessoas da Confederação Brasileira de Tênis de Mesa, do Comitê Paralímpico Brasileiro, do Comitê Olímpico Brasileiro. Estou feliz por esta oportunidade. Se um único filho me tem como exemplo, ótimo.
Bruna Alexandre em depoimento a Fábio Altman, em Paris
Publicado em VEJA em 16 de agosto de 2024, edição nº 2.906
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