A mais importante vitória de Rebeca Andrade e Simo…

A ginasta Rebeca Andrade renovou o segundo lugar no Olimpíadas de Paris. Simone Biles ressignificou o primeiro.

As novas definições em jogos tão disputados, porém, não se devem ao modo como alguns chamavam Simone Biles (deusa) ou à covardia de diminuir um segundo lugar neste tão difícil pódio, também vergonhosamente feito na imprensa brasileira.

Mas, sim, pela impressionante vitória no segundo lugar geral num dos desportos mais exigentes de todos os tempos. É preciso força, equilíbrio, graça, leveza, sincronicidade, flexibilidade, concentração, coordenação motora…

Que ideia é essa de que o segundo lugar – prata nos Jogos Olímpicos – é uma derrota?

A vitória de Rebeca Andrade, por exemplo, começa quando ela presencia sua mãe com oito filhos, sem pai presente e ainda criança, começar a se transformar em um fenômeno global.

Hoje, rainha dos esportes no Brasil, a ginasta já passou por três cirurgias no joelho que fariam qualquer marmanjo desistir. Rebeca, não. É por isso que ela é tão amada por sua amiga Flávia Saraivao que expôs o treinamento extenuante que Rebeca precisou fazer para se tornar tão precisa em seus movimentos.

Na verdade, os poucos pontos que separam Rebeca Andrade de Simone Biles não importam. O que importa mesmo é a dupla de duas mulheres negras que passaram por diversas privações na infância. Daí a ressignificação do primeiro lugar.

A atleta norte-americana acabou em um abrigo devido ao uso de drogas dos pais e presenciou a luta do avô pela sua custódia, o mesmo parente que a levou para a ginástica artística. Lá, Simone descarregou toda a sua frustração em um início de vida extremamente conturbado.

Rebeca Andrade – também de região periférica e filha de empregada doméstica – encontrou no esporte o caminho para a ascensão social e a realização dos seus sonhos mais lindos e improváveis ​​de vida, como negra no Brasil.

As duas têm experiências tão semelhantes que se reconhecem como iguais, como muitas mulheres negras da diáspora africana. Basta ver a homenagem que prestam uns aos outros nestes Jogos Olímpicos. Tem a ver com coragem e humildade ao mesmo tempo. Com integridade e respeito. Com alegria e gratidão. Tudo isso reverberando o verdadeiro significado de “Ubuntu” (eu sou porque nós somos).

Um é o estímulo do outro. Na verdade, os atletas são igualmente vencedores pela forma como enfrentam as adversidades da vida sem perder a ternura.

Simone Biles saiu Olimpíadas de Tóquio cuidar da sua saúde mental justamente porque sabe que nem sempre estar em primeiro lugar é o mais importante.

Esse gesto da ginasta norte-americana já deveria ter ensinado que prata não é menos que ouro em uma competição olímpica. Foi justamente isso que Simone Biles lutou e se libertou. Depois voltar e vencer, mas sem ver isso como o mais importante.

Rebeca Andrade é igualmente valiosa por usar a história de dor que viveu na vida e no esporte como caminho para a construção de sua identidade. Não são as vitórias que representam quem ambos são. O que mais representa ambas são os obstáculos que superam como mulheres negras.

Por isto e muito mais – pela inesquecível medalha de Beatriz Souzamais uma linda negra da periferia -, leitores: um Axé especial nesta sexta-feira, 2, de Oxalá.