A tensão que cercava Rayssa Leal ficou visível na final do skate, no domingo, 27, na arena Place de La Concorde, em Paris. Ela errou duas manobras simples logo no início e, após a prova, com a medalha de bronze no peito, disse: “Fiquei nervosa com isso”.
Ela foi de uma esquina a outra com expressão tensa e acabou se isolando, de cabeça baixa, na beira da pista. “Foi o momento em que orei e pensei: vamos em frente”. A pressão que recaiu sobre a jovem de 16 anos que até outro dia usava aparelho nos dentes cobrou seu preço. “A expectativa sobre ela era muito grande, o que trouxe um peso a mais”, comenta Eduardo Cillo, à frente de um elenco de vinte profissionais do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) que luta com a liderança do grupo na briga por medalhas.
Ele explica que quando as expectativas são tão altas quanto o ouro, a pressão aumenta proporcionalmente. “E ela tem apenas 16 anos, ainda está aprendendo a lidar com essa pressão”, diz ela, lembrando que suas adversárias, as duas japonesas que conquistaram o ouro e a prata, têm um nível de preparação psicológica particularmente elevado.
DA EUFORIA À ANSIEDADE
A saúde mental dos atletas permaneceu por muito tempo como um assunto inominável, que se tornou tabu. Mas isso vem mudando progressivamente, um movimento impulsionado por depoimentos de pessoas como a ginasta Simone Biles, que já cobre com brilho o palco da arena Bercy nos Jogos de Paris. “Sei que falar sobre o problema ajuda as pessoas”, disse Biles, que, após sofrer um bloqueio mental, decidiu deixar o local no meio dos Jogos de Tóquio e procurar tratamento.
Doutor em psicologia do esporte, Cillo avalia que a situação dos atletas brasileiros em Paris está sob controle, mas há uma curva a ser observada: “Eles ficam entusiasmados quando se classificam, perto das Olimpíadas há euforia e, às vésperas das provas , a ansiedade aumenta e precisamos ficar atentos”, explica.
Por isso, defende um zelo com a mente num horizonte mais amplo, de forma permanente. “Não é desejável prestar assistência apenas em momentos de crise, quando há pouco que possa ser feito”, afirma. As estatísticas têm sido favoráveis neste sentido: dos quase 280 concorrentes em Paris, mais de uma centena já se ocupavam da saúde mental muito antes de Paris. “Tem atletas que trouxeram até psicóloga para cá”, como Rayssa, lembra ela.
OLHANDO NA ÁRVORE
Há quase três décadas na área e com diversas passagens por clubes de futebol, ele observa que a barreira para discutir o tema vem se dissolvendo. “São poucos os que ainda têm vergonha de procurar ajuda na frente dos outros, como vemos em Paris”, avalia.
No futebol, o tabu parecia mais impermeável, mas mesmo aí há desenvolvimentos visíveis. Há pouco tempo, era difícil encontrar um jogador que reconhecesse as suas próprias fraquezas. Cillo conta sobre uma ocasião em que foi abordado na rua por uma estrela (só não consegue revelar o nome), que de repente saiu de trás de uma árvore perguntando: “Me ajuda?”
Porque mesmo quem procurou ajuda manifestou preconceito em relação à ideia de tocar em questões da mente. Um atraso que, segundo ele, foi abalado por novos ventos. “Atualmente, 14 dos 20 clubes da Série A contam com psicólogos. Há três anos, eram apenas quatro”, diz ele, dando uma boa medida do progresso.
ATENÇÃO MEDALISTAS
Quanto maior a expectativa por pódios e medalhas, mais poderosa se torna naturalmente a pressão. “Damos uma atenção diferenciada para quem está mais no centro das atenções”, revela a psicóloga. “O passo número 1 é solidificar neles o entendimento de que, mesmo flertando todos os dias com o limite, não são super-heróis, mas sim humanos.”
Na véspera das provas, a conversa levou a um esforço para imaginar todos os cenários, bons e maus, travando o turbilhão de emoções. De cabeça erguida, as chances de ganhar uma daquelas medalhas que contém um pedacinho da Torre Eiffel certamente aumentam. E quem não quer uma lembrancinha dessas em casa?
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